"Paredes - Meias"
- angeladiaspt
- 28 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.
Galeria Braço Perna 44 | Lisboa | 2025
Paredes - Meias // Convivências ativas, de porta em porta, através da rua
29.05.25_01.06.25
Lisboa, final de maio. A urbanidade alegra-se com os banhos de sol da famosa luz da capital. Os "bons-dias" tornam-se quentes e, as vindas à porta do ofício em momentos oportunos, intervalos de espaço partilhado, onde a rua passa a "microcosmo" convivial.
Na latente relação dialética entre arte e vida, as expressões artísticas alicerçadas numa estrutura narrativa produzem inúmeros ecos sobre o imaginário relacional na cidade. No panorama português, a cidade de Lisboa é traçada por diversos autores enquanto território simbólico e existencial, onde se desvelam fricções, ritmos sociais, expressivos de aspetos íntimos e partilhados do quotidiano. Através dos seus géneros e subgéneros, desde os grandes romances e fugas, às crónicas e comédias de costumes, espaços comuns - ruas, esquinas, praças - de comércio e de vizinhanças, apresentam-se frequentemente como cenário ou mesmo motivo central de articulação narrativa. Assentes em argumentos sócio-culturais, onde se observam vidas locais ligadas numa cartografia afetiva, pessoal e socio-económica, as lojas tornam-se pontos de encontro e de manutenção das relações da vida urbana, onde a sua função e resistência diária ao serviço do nome próprio do "Sr." ou da "Sra." do "Mno." ou da "Mna.", se alia às obrigatórias "voltas" na malha urbana e aos hábitos quotidianos em gestos partilhados. Ainda assim, esta "vida urbana" não se ocasiona tão- somente, a diversidade diária pode-se encontrar de forma inusitada e fortuita, e no entanto não se aprazar, cedendo à premência dos dias e do trabalho. Não arriscando pertencer a toda a dimensão das grandes cidades, vamos pertencendo a pequenas partes, a microcosmos quotidianos instalados em geografias específicas, numa lógica local e de proximidade. Pertencemos onde, nos dias mais difíceis, os "bons dias" são ditos sem esforço, em autonomia de espírito.
Paredes-meias - as paredes comuns a edifícios contíguos - surge como manutenção da proximidade entre diversos espaços comerciais "vizinhos" na Rua das Fontaínhas - freguesia de Alcântara, zona ocidental de Lisboa. A exposição, que se faz percorrer pela rua, tem origem bifocal nas também "vizinhas" Galeria Braço Perna e Galeria Ainori, contando com vinte e um artistas que, no caso da Galeria Braço Perna, partilham não só as paredes da galeria, numa lógica de boa vizinhança*, como também, diluem a exibição das suas obras em nove espaços adjacentes. Já na Galeria Ainori a lógica de articular os nove espaços comerciais com obras do seu acervo cumpre-se apresentando ainda, no interior da galeria, a exposição Imersões.
Reexaminando o contexto artístico da segunda metade do século XX, questionamentos, críticas e cruzamentos disciplinares, Paredes - meias, expande o habitual espaço ideológico e (aparentemente) neutro** da galeria através de uma experiência site-specific em locais que, habitualmente dedicados a funções comerciais, se inauguram "expositivos". As obras que neles se instalam nutrem e são nutridas, ressignificando-se e estimulando exercícios de convivência, tanto dos artistas como dos trabalhadores locais que, inesperadamente, se encontram em companhia atípica destas produções. Articular as obras em diversos locais, preconiza estes espaços enquanto locus de novos discursos, envolvendo ativamente quem os recepciona nas ressonâncias performativas de um contexto que é também conteúdo. Assim, partindo das galerias como âncora de leitura e percorrendo o sentido da rua, as obras destes artistas interrompem ambientes de serviço trazendo outros universos a estes espaços, numa convivência de ofícios que possibilita a mediação dos encontros e desencontros dos seus agentes no espaço urbano.
Tomando partido da geografia e ocasionando a convivência entre os estabelecimentos comerciais e as práticas artísticas contemporâneas, Paredes - meias procura reforçar as relações de proximidade entre vizinhança, revelando o interesse de espaços artísticos e multidisciplinares como a Galeria Braço Perna e a Galeria Ainori no "Complexo Expositivo"*** da cidade de Lisboa. À boleia das proximidades, este encontro fecundo entre arte e cidade, quer não só lançar curiosidade aos que durante estes quatro dias (29 de maio a 1 de junho) se "encontrem" nas zonas de Alcântara e Belém, como também, aos que se "desencontram" fora desta área urbana.
O cruzamento da vida quotidiana com a arte e as suas artérias investe assim, em favor de um lugar, harmonizando-se com as possibilidades proporcionais à escala desta rua lisboeta.
Constança Pupo Cardoso, Lisboa, Maio de 2025.
*Georges Didi-Huberman utiliza a expressão "lei da boa vizinhança" para descrever o princípio organizador do Atlas Mnemosyne de Aby Warburg (lado a lado, por meio de afinidades visuais, simbólicas ou temáticas, e não por critérios convencionais).
**Ideia e termos provenientes da publicação "Inside of the white cube" de Brian O´Doherty.
*** Do original "Exhibitionary Complex" proposto por Tony Bennet na publicação "The Birth of the Museum" e depois analisado no contexto das artes visuais por Terry Smith no ensaio "Curadoria do complexo e Greve aberta".
























